Até aqui me parece que nada foi definitivo. É tudo um grande ensaio. Me sinto como que apenas levado pelos acontecimentos. Onde estão as decisões fundamentais de nossas vidas? Terão todas sido reduzidas a itens nesse imenso menu? Qual curso, qual matéria, qual especialização? Poucas são as ocasiões em que essas escolhas não podem esperar por mais alguns meses, ou serem deixadas para o ano seguinte; ou o próximo. Criamos essa bolha dentro da qual podemos escolher a vida que vamos levar, olhando para o futuro como um amontoado de caminhos que podem ser trilhados, fazemos planos, escolhemos carreiras: Você pode ser o que quiser! E de fato, podemos. A bolha sustenta a si mesma, escolha uma carreira, faça uma faculdade, e terá no mínimo um emprego medíocre que você mesmo escolheu.
A palavra da nossa era é a estabilidade. Provável fruto de algum racionalismo extremamente arrogante, a doutrina é ter uma vida estável. A vida da classe média hoje se resume muito a isso. Você tem um bom emprego, um carro e um apartamento, pra que complicar as coisas? Qualquer dúvida a respeito da própria felicidade é automaticamente espremida naqueles 10 minutos de reflexão que precedem o sono todas as noites. Melhor assim, que de manhã já nem se lembra mais disso.
Escolhemos eliminar de nossas vidas todas as dúvidas e incertezas. Vivemos mecanicamente como peças dessa máquina, que controla desde nossa alimentação até nosso entretenimento. Estabilidade. E com qual resultado? Pessoas com um falso sentimento de felicidade, cujos raros momentos de auto-análise revelam o vazio desesperador do consumismo.
Um psicólogo talvez diga tudo o que você não quer pensar por si mesmo. Que sua vida é vazia, você não gosta do que faz, mas você tem muito medo de quebrar seu último dogma: a estabilidade. Criado em um mundo totalmente controlado, você nunca aprendeu a lidar nem com o desconhecido, nem com suas próprias vontades. E apesar da vontade de enfrentar o desconhecido, você opta pelo controle. Controle total do seu pequeno mundo, certo de que qualquer problema deve estar só na sua cabeça; afinal as outras pessoas parecem perfeitamente felizes.
Criamos a bolha, instituímos nosso admirável mundo novo, mas a que preço? Para que possamos viver nossas vidas estáveis, vazias e deprimentes, milhões de seres humanos são obrigados a enfrentar todo dia a constante luta pela sobrevivência, na miséria total. O medo, o desespero, a dúvida. Sentimentos que conhecemos através da ficção e das artes, como se não pertencessem a nós.
Funny fact: Pessoas morrem de fome, para que você possa viver uma vida vazia.
Museu dos que Já Foram
Há um ano
Isso me traz algumas referências.
ResponderExcluirLogo de cara me remete ao filme Trainspotting: "Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed-interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life . . ."
Estabilidade? Para quem faz da vida um palco para um personagem de si mesmo, talvez. É difícil parar de oscilar entre o exagerado, o acomodado e o equilibrado. E sempre tem aquele buraco enorme entre o ser e o parecer, né?
Ok, o cara rebate: "But why would I want to do a thing like that? I chose not to choose life: I chose something else. And the reasons? There are no reasons.". Claro que o contexto do filme é um cara que usa heroína. O que sempre me traz uma questão: o que nos distancia e nos aproxima deste sentimento de alienação? Algumas formas de negação da realidade são tão embriagantes quanto a inércia da rotina.