31/01/2010

Funny Fact

Até aqui me parece que nada foi definitivo. É tudo um grande ensaio. Me sinto como que apenas levado pelos acontecimentos. Onde estão as decisões fundamentais de nossas vidas? Terão todas sido reduzidas a itens nesse imenso menu? Qual curso, qual matéria, qual especialização? Poucas são as ocasiões em que essas escolhas não podem esperar por mais alguns meses, ou serem deixadas para o ano seguinte; ou o próximo. Criamos essa bolha dentro da qual podemos escolher a vida que vamos levar, olhando para o futuro como um amontoado de caminhos que podem ser trilhados, fazemos planos, escolhemos carreiras: Você pode ser o que quiser! E de fato, podemos. A bolha sustenta a si mesma, escolha uma carreira, faça uma faculdade, e terá no mínimo um emprego medíocre que você mesmo escolheu.

A palavra da nossa era é a estabilidade. Provável fruto de algum racionalismo extremamente arrogante, a doutrina é ter uma vida estável. A vida da classe média hoje se resume muito a isso. Você tem um bom emprego, um carro e um apartamento, pra que complicar as coisas? Qualquer dúvida a respeito da própria felicidade é automaticamente espremida naqueles 10 minutos de reflexão que precedem o sono todas as noites. Melhor assim, que de manhã já nem se lembra mais disso.

Escolhemos eliminar de nossas vidas todas as dúvidas e incertezas. Vivemos mecanicamente como peças dessa máquina, que controla desde nossa alimentação até nosso entretenimento. Estabilidade. E com qual resultado? Pessoas com um falso sentimento de felicidade, cujos raros momentos de auto-análise revelam o vazio desesperador do consumismo.

Um psicólogo talvez diga tudo o que você não quer pensar por si mesmo. Que sua vida é vazia, você não gosta do que faz, mas você tem muito medo de quebrar seu último dogma: a estabilidade. Criado em um mundo totalmente controlado, você nunca aprendeu a lidar nem com o desconhecido, nem com suas próprias vontades. E apesar da vontade de enfrentar o desconhecido, você opta pelo controle. Controle total do seu pequeno mundo, certo de que qualquer problema deve estar só na sua cabeça; afinal as outras pessoas parecem perfeitamente felizes.

Criamos a bolha, instituímos nosso admirável mundo novo, mas a que preço? Para que possamos viver nossas vidas estáveis, vazias e deprimentes, milhões de seres humanos são obrigados a enfrentar todo dia a constante luta pela sobrevivência, na miséria total. O medo, o desespero, a dúvida. Sentimentos que conhecemos através da ficção e das artes, como se não pertencessem a nós.
Funny fact: Pessoas morrem de fome, para que você possa viver uma vida vazia.

Um comentário:

  1. Isso me traz algumas referências.
    Logo de cara me remete ao filme Trainspotting: "Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed-interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life . . ."
    Estabilidade? Para quem faz da vida um palco para um personagem de si mesmo, talvez. É difícil parar de oscilar entre o exagerado, o acomodado e o equilibrado. E sempre tem aquele buraco enorme entre o ser e o parecer, né?
    Ok, o cara rebate: "But why would I want to do a thing like that? I chose not to choose life: I chose something else. And the reasons? There are no reasons.". Claro que o contexto do filme é um cara que usa heroína. O que sempre me traz uma questão: o que nos distancia e nos aproxima deste sentimento de alienação? Algumas formas de negação da realidade são tão embriagantes quanto a inércia da rotina.

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