31/01/2011

Sobre a Mitologia Contemporânea

Li cerca de um décimo dessa entrevista quando comecei a escrever isso. Faz algum tempo desde a última vez que algo me instigou tanto assim a escrever.

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Se a mitologia coletiva desapareceu nos dias de hoje, foi pra dar lugar à multiplicidade de uma mitologia fragmentária e individualizada.

De certa forma, os elos que nos uniam num conjunto humano minimamente coeso, funcional - saudável talvez - hoje transmutaram-se em realidades concorrentes superpostas

A televisão criou um ambiente controlado, onde os mitos comuns ainda unificavam, ao mesmo tempo em que começavam a fragmentar.

Com uma quantidade limitada de canais, se podia escolher o que assistir, mas ainda se estava preso a um conjunto limitado de opções.

A verdadeira mitologia pós-moderna é a amálgama cultural da internet.

São as referências a ícones de um passado recente.

É a idolatria a uma cultura em decadência.

São tanto as narrativas dispersas, rasas e fúteis, quanto as intrinsecamente construídas sobre análises perspicases da incoerência presente.

Somos a era da abundância e do excesso

Da reverência, dos ídolos genéricos, de símbolos e bandeiras vazias.

Somos o barroco do individualismo burguês.

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Mas se temos a facetação caleidoscópica e esquizfrênica a guiar a nova sociedade global, se os mitos se vêem individualizados e as leis relativizadas, cabe lembrar daquela mesma semelhança que se faz tão clara entre toda a mitologia, independente de sua origem.

Por mais díspares e pessoais possam ser as infinitas histórias possíveis do indivíduo, todas hão de tratar do mesmo assunto, caminhar ao fim numa mesma direção, orbitar um centro comum.

Por mais que pareçam gritar e mover-se rumo a territórios muito distantes daquele mais puramente espiritual, as incoerências do ser humano atual existem, e mesmo essa mitologia proveniente de seus mais exacerbados representantes há de ser imagem fiel de uma faceta concreta dessa busca existencial.

A experiência humana rumo ao desconhecido da existência há de ser ainda o fator de convergência de toda a mitologia contemporânea.

A resposta não é retornar às velhas formas de se tratar do mito. Tentar jogar com lógicas anacrônicas, saudosamente tentando reviver um passado inatingível.

Se chegamos aqui, viemos por uma longa estrada, e esquivar-se da gigantesca tarefa de sair pelo outro lado desse túnel é adiar nossa estadia na eterna crise do indivíduo burguês.

Se nos trouxe aqui o dinheiro, o superfluo, o consumo, também foram de suma importância o expressionismo, o surrealismo, o jazz e O Capital.

A fragmentação dos mitos é inevitável. É realidade corrente.

É preciso saber jogar esse novo jogo, e fazê-lo com as novas regras.

E para isso é indispensável lembrar que se aplicam ainda sobre as mesmas questões fundamentais.

Que se as linhas de raciocínio e as novas abordagens têm de ser trabalhadas, o assunto continua sendo o mesmo.

O homem ainda é o mesmo.

Só o vemos hoje um pouco mais de perto, e talvez sob um novo ângulo.

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