18/11/2011

Belo Monte e a Nossa Hipocrisia Histórica

Lá desde as aulas de História da tia Andrea que ensinam pra gente como os portugueses mataram todos os coitados dos indíos. De muito pequenos já nos ensinam a chorar aqueles genocídios sem porquê, cometidos por um povo que não tinha ainda a consciência do valor de todas as culturas, do respeito à vida e das valiosas diferenças contidas em todo modo de vida que o ser humano desenvolve.

Nos ensinam também que hoje atingimos essa tal consciência, e que por isso se preservam os índios que restaram em reservas fechadas com cara de museu, e num Dia do Índio que é mais pras nossas crianças que pras deles.

Depois a gente aprende que o buraco era mais em baixo. Não era só questão de consciência, mas vinha de toda uma realidade econômica e política da Europa, onde uns Impérios decadentes buscavam formas de se reinventar. Pra tentar salvar suas economias podres, sustentadas por pilares condenados, desesperadamente avançaram sobre terra que houvesse, jogando sobre um Novo Mundo as lógicas daquele velho, matando aqui todo potencial de renovação que eles mesmos acreditavam buscar.

Matou-se, destrui-se, verteu-se a terra virgem em solo morto europeu. Os Impérios que aqui chegaram primeiro não se salvaram, caíram logo, mas abriram o espaço para que os próximos continuassem seu trabalho. Fomos passando de mão em mão como moeda de troca, cada vez mais europeus, ao ponto de sermos hoje feitos à imagem e semelhança da sociedade burguesa internacional, guardando de nossos primeiros anfitriões apenas a rede de dormir e o banho-nosso-de-cada-dia.

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Cabral não é mais conquistador, e suas caravelas são equipes de engenheiros. O contato com os nativos, se necessário, será feito pela polícia. Nosso Rei, agora eleito democraticamente, é lá posto para a tarefa impossível de manter nos trilhos da estabilidade mais um Império em decadência. Um Império muito mais sutil e difícil de enxergar, que se expressa não em terras mas em formas de viver e modos de produzir.

Dizem que Belo Monte é necessária. E o é, num Brasil preocupado em trilhar o caminho do desenvolvimentismo desenfreado, do predatorismo e da competição internacional. Preocupado em manter-se membro, e firmar-se na hierarquia do grande Império do Capital Globalizado.

Belo Monte é necessária, da mesma forma que a Colônia brasileira era necessária à Metrópole portuguesa: como esperança de sustentação de algo que se tornou insustentável: nosso próprio modo de produção.

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"Ah, mas hoje," nos dizem, "caminhamos com a luz da democracia rumo a uma sociedade cada vez mais igualitária e justa. Hoje, respeitamos os direitos de todas as culturas, de todos os povos, de todos os indivíduos. Hoje atingimos aquela consciência humanitária que faltava aos Impérios de outrora. Nossa democracia garante que toda decisão seja em prol de nosso desenvolvimento integral, como povo e nação."

Patéticas palavras de quem não vê além das verdades oficiais. Verdades oficiais que sempre foram usadas em prol do "tudo corre bem". Verdades oficiais que, quanto mais se aproxima o Império do desespero, mais distantes ficam da realidade.

Patéticas palavras de quem chorou na aula de História pelo indío morto no passado, e não enxerga o índio que morre hoje para a contrução da usina. Que não vê que o que morre não é um ser humano, mas uma forma de existir no mundo, e de relacionar-se com a Terra. Estamos agora mesmo escolhendo o desenvolvimento predatório exigido pela competição capitalista que, numa solene e mórbida metáfora histórica, novamente exige a retirada do índio - mera pedra no caminho.

Como dantes, o Império Burguês também não se salvará. Porque simplesmente não se salvam os Impérios, expressos mais em sua força motriz e produtora, do que em estruturas institucionais e bandeiras que se tentam preservar artificialmente.

Não se pode querer salvar um Império, que guerreia contra si mesmo, só para colocar em movimento suas finanças.

Que destrói sua própria Terra em nome de sua suposta riqueza.

Que que silencia seu próprio povo em nome de sua sobrevivência.

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Um comentário:

  1. Nossa, minha primeira professora Se chamava Andréa mesmo! Me identifiquei com o texto logo na primeira linha! rsrsrs

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