08/01/2012

Eu e os contextos

Normalmente eu chegava quieto, através de um ou outro conhecido. Não era de falar muito, mas por algum motivo as pessoas gostavam de mim. Costumavam me conferir uma grandeza que eu nunca entendi ou aceitei, como se vissem em meu silencio alguma sabedoria estranha. Algo de fato tinha; menos uma atenção excessiva, e mais uma preocupação seletiva com alguns aspectos das dinâmicas sociais. Parecia distrair-me constantemente, preso em pensamentos muito meus, mas voltava correndo à realidade para pescar algum estímulo muito específico, como se meus radares estivessem muito bem afinados em captar aquilo que no fundo me interessava. A coisa era entender as pessoas e seus movimentos, suas relações de atração e repulsão, inércia, choque e prazer. Arrisco dizer que cheguei a desenvolver toda uma espécie de ciência poética do assunto.

Sempre tive medo do poder que esses saberes estranhos podiam trazer, então costumava manter-me a parte dos acontecimentos. Como que respeitando um jogo com o qual eu não concordava de todo, esperando pelos argumentos necessários à deflagração da catarse libertadora. Queria eu - gosto de pensar que mais por inocência que arrogância - do alto dos meus dezealguns anos, desconstruir toda a crise psicossocial dum ocidente pós-moderno, todo o karma acumulado de uma semi-burguesia tropical, e salvar outros de uma eterna perdição à qual eu mesmo também estava, sem notar, condenado; e à época parecia ser isso a única coisa que se podia fazer.

Claro, as interpretações são por gosto do freguês. Jogado esse garoto num prisma semiótico, essa mesma história pode ser lida por Freud, dirigida por Fellini ou interpretada dramaticamente num deses monólogos chatíssimos. O garoto inteligente, a barreira em relação ao mundo. A dificuldade de relacionar-se no jogo social, e o rancor que o leva a querer desconstruir e atacar suas próprias estruturas. O medo do poder como fachada cool para um terror à possibilidade de rejeição.

Essa última frase tem talvez uma boa dose de verdade. O garoto é também uma criança que primeiro não soube, e depois passou a recusar-se terminantemente a tomar parte. Provável fruto daquelas picuinhas de high school entre populares e nerds. E sem entrar em detalhes - propositalmente quando nos aproximamos do ponto mais importante à compreensão de toda a trama - tem toda a questão bastante mal resolvida com as mulheres que passaram pela vida dele;
ao largo da vida dele;
ao longe, no horizonte da vista dele;
e se foram.

E cortando abruptamente de volta prum terreno mais confortável e infinitamente menos produtivo, pois já plenamente entendido: aquele medo do poder é algo bastante presente também. Esses dias assisti novamente todos os seis Star Wars. Por motivos diversos essa questão com o poder me levou à metáfora do Darth Vader, e minha maratona de filmes teve o propósito estritamente científico de verificar o caminho trilhado por Anakin Skywalker ao lado negro da força.

Ao fim da série algo me diz que ando mais parecido com o Luke, mesmo em meus momentos sombrios. A forma mais sucinta de explicitar essa conclusão é um diálogo entre Luke e o Imperador Palpatine no final do Retorno de Jedi, que segue mais ou menos assim:

L - Você confia demais em si mesmo. Essa é a sua fraqueza.
P - E a sua é sua fé em seus amigos.

E com isso descansei tranquilo. Longe de confiar em mim, grande parte de minha vida, distante e analítica, foi vivida na esperança de que aquele contexto, aquelas pessoas, aquele grupo... E não sei nem o que esperava, mas exisitu sempre essa fé nunca concretizada nas pessoas a minha volta. E da mesma forma que eu chegava, costumava partir; quieto. Com todas aquelas esperanças confusas tornadas em lamento, sem entender se me decepcionava com eles ou comigo mesmo.

Um comentário:

  1. Sobre o diálogo: é uma tensão constante, eu acho. Especialmente pelo fato de que, ter fé ou confiar nos seus amigos envolve um processo muito delicado de exposição. E é muito difícil se expor aos outros se você não tem auto-confiança, entende?
    Daí se desdobram inúmeras patologias, e vestimos cada vez mais máscaras sociais (talvez um número maior do que costumamos criticar) para preencher os requisitos de exposição.

    O que mexe comigo, do ponto de vista da minha experiência pessoal, é a questão da assimetria. O quanto que eu apreendo desses personagens com quem me relaciono, o quanto eu desvendo- e o quanto que me escondo.
    Aí vem o problema das expectativas também, porque você espera que aquelas pessoas por quem você desenvolve afeto se envolvam na jornada de atravessar as florestas, rios e escalar os muros do forte. Não sei dizer muito bem porque, mas rola isso.

    Talvez seja até prepotência pura esse lance da assimetria, de achar que VOCÊ fez toda essa trajetória ou se propôs a elaborar uma situação em que a pessoa facilitasse, que abrisse atalhos pra você. Achar que você compreende melhor os outros do que eles te compreendem, mesmo quando você tem sérias dúvidas sobre si mesmo.

    Também não discordo que isso, em especial, esteja diretamente ligado com a questão do poder. Então eu não sei até que ponto existiu uma assimetria, por assim dizer. Até que ponto as coisas ocorreram por razões de ordem emocional, causando reserva e expectativa, ou por razões de ordem racional, causando controle e estratégia.

    Precisamente: "Com todas aquelas esperanças confusas tornadas em lamento, sem entender se me decepcionava com eles ou comigo mesmo."

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