23/03/2010

Sobre a Guerra da Mídia

Do Viomundo,em Como o Jornal Nacional mente sobre o PNDH III,

Após a reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) em que foi apresentado o III PNDH, acompanhada por jornalistas, inclusive da Rede Globo, na terça-feira (16/3), o ministro da SEDH conversou com alguns repórteres. Reafirmou que havia disposição do governo de rever três pontos do III PNDH: defesa ao direito ao aborto, condenação do uso de símbolos religiosos em prédios públicos e criação de novos mecanismos de mediação de conflitos agrários.

Na mesma noite, o Jornal Nacional da Rede Globo, deu a chamada: "O governo admite alterar pontos mais polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos".
Os três pontos que poderiam ser alterados se transformaram em quatro, incluída a referência a uma “proposta de impor um limite à autonomia das empresas de comunicação” que, além de não ser especificada, também não foi mencionada na fala do ministro da SEDH.

Curiosamente, no dia seguinte, 17 de março, a matéria sobre o assunto publicada no jornal O Globo sob o título “Estamos dispostos a fazer correções”, cita os três pontos relacionados pelo ministro e não faz qualquer referência ao “quarto” ponto mencionado no JN.


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Me chama atenção o fato do Jornal Nacional seguir uma abordagem diferente àquela publicada n'O Globo. Apesar de estarem na mesma linha, o primeiro se mostra cada vez mais radical em sua manipulação, enquanto o jornal impresso segue tentando o papel de oposição moderada e consciente. Já vimos a revista Veja trilhar esse mesmo caminho, e tornar-se veículo das idéias mais reacionárias, utilizando-se das táticas mais baixas do nosso pseudojornalismo de direita. Estaria o Jornal Nacional indo também nessa direção?

Ora, se a mídia de fato já se assume como partidarizada, é cabível analisar suas estratégias de campanha. A Veja tornou-se claramente a encubadora da grande mídia. Descompromissada com qualquer verdade factual ou procedimento ético-jornalístico a revista dá as cartas que serão usadas por todos para requentar o debate oposicionista. Assim, com uma base que joga abertamente o jogo da mentira, os outros meios podem, tranquilos, repercutir os absurdos, elaborar em cima destes e atacar a tudo e a todos que de alguma forma representem o governo, sem com isso passarem por mentirosos, já que a informação foi inicialmente publicada na Veja.

A revista já enfrenta processos por diversos casos de publicações manipuladas ou puramente inventadas. Enquanto espera pela, quero acreditar inevitável, condenação, se dá a liberdade de continuar e até intensificar suas práticas marcadas pelo mais puro fanatismo classista. A estratégia não é nova, e por isso mesmo até seus criadores já conhecem suas falhas. A Veja não tem alcance fora da elite reacionária do sul e sudeste; ou seja, prega apenas pros já convertidos. Apesar da repercussão dos ditos "grandes jornais", os factóides não chegam aos ouvidos do eleitor de Lula, e assim a oposição, desiludida, perdeu em 2006, sem entender como, apesar dos tais escândalos, o PT não caiu.

Sem projeto de governo, há quem diga que a direita pretende reutilizar-se da tática da manipulação midiática para barrar a eleição de Dilma. Em parte eu concordo, mas creio que nem a nossa direita raivosa é estúpida o suficiente pra não enxergar o mesmo rombo nesse plano congelado. Também não são criativos o suficiente para bolar algo novo, já tão em cima da hora. É possível, porém, que troquem de posição algumas de suas peças, e tentem adaptar a estratégia para atacar por um novo ângulo.

Senão vejamos, se o problema é o alcance das mentiras (e não a falta de projeto, como pensariam os mais sensatos), a grande mídia tem apenas uma ferramenta viável: a Rede Globo. De amplo alcance nas classes cativas do presidente, é a maneira de levar a campanha diretamente pra dentro da casa do eleitor. A globo sempre foi alinhada com essa mesma direita sem projeto, mas alguns fatores a impediram de tornar-se uma Veja Multimídia.

Primeiro, como já foi citado, o fato da própria Veja permitir que se disfarce a manipulação, desvinculando sua autoria, teoricamente criminosa, de sua propagação. O Jornal Nacional, portanto, já era utilizado como ponto de redistribuição do material eleitoral mascarado, de forma comedida, pontual, quase formal. Segundo, o fato da Globo representar o maior monopólio midiático do país, e como tal ser a grande cabeça por trás da guerra, ainda fria, que se trava no setor. Não era do interesse da Rede Globo, em 2006, partir pro combate aberto. Acreditava-se que podiam ganhar a eleição com guerras menores, sem envolver e comprometer a credibilidade de peças importantes, como por exemplo o Jornal Nacional. Não deu certo.

Apesar dos repetidos ataques, o governo escolheu por uma abordagem pacífica do problema, aguentando tudo que tivesse de aguentar, acreditando ter uma base sólida de apoio popular. Quanto mais a mídia tentava destruir a imagem do presidente, mais sólida ela parecia se tornar. A cada resposta irônica que saía da boca do "analfabeto-sem-dedo", caíam dúzias de factóides e acusações mirabolantes, das quais o presidente acabava rindo por último. E a cada risada, a oposição mordia mais um pedaço da língua, e entendia, aos poucos, que seria preciso muito mais.

Nos últimos dois anos as movimentações no sentido do debate acerca dos meios de comunicação no país vem alcançando certo respaldo nacional. Começa-se a questionar a legitimidade dessa mídia que nos mostra o Brasil que quer. O povo começa a querer falar sobre o assunto. E apoiado, como sempre se apoiou, nesse apoio popular, aquele mesmo governo que agüentou 8 anos sob fogo aberto, parece finalmente ter decidido responder. Acho que o marco maior foi o processo contra a Veja, agora nesse último "escândalo".

Pois bem, a oposição e a mídia se vêem, então, diante do seguinte cenário: um governo forte, com ampla base de apoio, e altas possibilidades de ganhar o pleito eleitoral; uma estratégia provadamente furada à la ultra direita norte americana; a iminente aproximação de uma guerra aberta que tentou evitar por anos a fio, na questão do monopólio da informação. Não há espaço pra manobras, a eleição está perdida. E é aí que mora o perigo. Se Dilma é eleita, o PT passa a trsanscender Lula, se consolida e legitimza de uma vez por todas, frente aos que desacreditam que haja um projeto por trás da imagem do barbado sorridente.

Essa última carta branca, o apoio final do povo brasileiro, é talvez o que falte ao governo para travar a tão prorrogada guerra da mídia. É uma guerra desleal e perigosa pra qualquer governante, e por isso deve ser lutada em condições favoráveis. Aos que se perguntavam o porquê da aceitação passiva do PT frente a ataques caluniosos da grande mídia, fica aqui uma possiblidade de resposta: nessa briga desigual, o partido não fez nada além de esperar pelo momento mais certo para começar a responder.

Sendo assim, a mídia começa a criar o cenário da luta que virá. Primeiro, levantam o debate acerca da liberdade de expressão, sem que esse tenha sido sequer citado no tal Programa. Depois, enfatizam o caráter autoritário da candidata do governo, tirado sabe-se lá da onde. Nesse mundo pós-moderno, quão fácil é fazer a ponte entre terrorista e ditadora? Curioso é que nesse caso a "terrorista" lutava justamente contra um regime autoritário, o que nos levaria a criar uma imagem diametralmente oposta à optada pelos jornais. Mero detalhe.

Depois, e esse é um fenômeno já em seu desenrolar, os meios de comunicação começam a mudar o tom, aumentam os ataques, as mentiras, os furos de última hora, os esquemas milionários de corrupção. Esse passo pressupõe, de certa forma, uma conspiração orquestrada pelos setores midiáticos da indústria. Aos que crêem na paranóia de tal versão, procurem pelo instituto Millenium, um congresso organizado pelos grandes da área de comunicação para "debater os rumos do setor no brasil". Detalhe: o ingresso custava 500 reais, o que faz crer que os tais barões, se debateram, o fizeram apenas entre si; em outras palavras, conspiraram.

Se a Veja e os jornais não têm respaldo no eleitor de Lula, é preciso colocar em jogo a última arma: o Jornal Nacional, ainda a principal fonte de notícias da maioria dos brasileiros no final do dia. Descendo diariamente o nível das acusações, aproximando-se cada vez mais da prática da manipulação e da mentira já bem experimentadas pela Veja. Quanto tempo até a primeira reação por parte do governo ou do PT? Um processo na justiça, um pedido de resposta, uma declaração oficial. E aí todas as peças estarão em jogo. A "tendência" do PT contra a liberdade de imprensa, a "ditadora" Dilma, a mídia "defensora da sociedade civil", contra os fantasmas do autoritarismo, que ameaçam esse tão precioso símbolo da "democracia" brasileira, o tradicional Jornal Nacional.

Resta saber se tal batalha vai se dar antes da eleição, como último sinal de desespero, talvez até com direito a uma tentativa de golpe, ou depois, como cruzada principal dos quatro anos de governo que enfrentará a ministra.

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