Epígrafe:
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[15 de setembro de 2012 - sábado]
A guerra ocidental, como todas as outras, vem sempre acompanhada de uma fábula. Um sentimento nacional, um conto de fadas perene, a respeito do suposto tempo de guerra. Num certo momento, a fábula confunde-se com realidade, a violência física da guerra oferece a ilustração do conto. Mas sem exceção a fábula da guerra tem uma forma. A reação ao inimigo concreto traz uma carga de interpretação, está fundada num complexo semiótico social que constrói com as nuances políticas de seu próprio tempo.
Hitler, os campos de concentração, a crueldade, a aberração humana, o diabo em pessoa; suas tropas, cavaleiros do apocalípse de um juízo final prematuro.
Do outro lado, o mito ariano, a força de uma raça e o sonho imperialista. Essa segunda nos é díficil até de imaginar, enquanto a outra está posta em banquete no menu de hollywood. Mesmo quando tentamos ver “sob os olhos” do lado negro, o vemos como transposição de um olhar que se cria aqui, do outro lado da história.
Das invasões bárbaras, das longas ocupações muçulmanas na Europa medieval, de Che, de Lenin, de Cuba. Mesmo quando ouvimos falar, mesmo nos mitos que nós mesmos ousamos criar, conseguimos apenas enxergar sombras de sentimentos humanos possíveis.
Enquanto do triunfo de roma, das cruzadas, ou da façanha militar americana durante o século XX parecemos estar impregnados.
A história dos vencedores transpõe a produção acadêmica; sua importância política se dá na fábula social.
Fábula que constrói-se cotidianamente, através desse organismo sociedade;
tão maior é o seu nível de detalhe quanto mais instrumentos narrativos o homem possuir;
tão maior é a velocidade de sua propagação e a profundidade de sua inserção psíquica quanto mais elaboradas as técnicas de difusão de idéias.
A mais avançada forma artística torna-se instrumento narrativo, capital genérico, ampliando as possibilidades de detalhe da fábula social, conferindo-lhe maior abrangência e capacidade crítica.
Mas as mesmas profundezas servem como mapa no processo de pasteurização do potencial crítico da análise.
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Certa prática teatral do século XX, acompanhando o desenvolvimento da teoria política alcançada no século anterior, caminhou no intuito de atender uma necessidade clara.
Comunicar nuances da existência política da sociedade humana num mundo onde o acesso às idéias se intensificava como nunca antes. Inserir na construção orgânica da fábula social uma análise crítica da sociedade
A arte, a cultura, são instrumentos narrativos de um povo inteiro; e não digo de povos passados, de histórias lidas por seres estranhos de tempos totalmente distintos. A narrativa presente está escrita na cabeça de cada ser humano de um momento; é o código sobre o qual escrevemos nossas estruturas de pensamento.
Torna-se impossível propor com eficiência, qualquer código que distoe, frente ao aparato privado de difusão de informação.
E note-se, o problema não está na palavra aparato, mas na palavra privado.
O mito da internet como ambiente livre de produção e difusão de idéias nos aponta para um erro grave de perspectiva. A técnica de difusão da informação não envolve apenas o meio no qual ela se dá.
Eles tinham um rio, nós achamos o mar. Mas os barcos ficaram todos por lá.
Lutamos contra as ondas, rimos-nos dos nossos amplos espaços.
As estratégias de massificação logo vieram, porque já vieram, e nenhuma estrutura temos que possa combater o poder neutralizador de algo como o facebook.
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O parasita assimilador da cultura burguesa é criação das vanguardas artísticas mais radicais.
A antropofagia é talvez o conceito-mãe de um estrutura nascente, primeiro a nomeá-la e reconhecê-la em todo o seu potencial.
Mas como pioneira, pouco imaginava o que seria das terras que descobria, quando assimiladas e infinitamente replicadas pelo aparato burguês de comunicação.
Resta reinvindicá-la(o).
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Diário de Bordo de um Ano 9
---Pícaro Dias, São Paulo